Essa resposta pode ser sim se houver 2 fatores associados: predisposição genética/familiar e tratamento inadequado. Para entendermos esses riscos, vale a pena detalhar um pouco o cenário atual:
A obesidade é a doença crônica mais prevalente na população infantil. O tratamento deve ser instituído o mais precocemente possível porque há muitas comorbidades associadas ao excesso de peso e algumas delas, como diabetes, hipertensão, dislipidemia, esteatose hepática, síndrome do ovário policistico, apneia do sono e problemas osteoarticulares, já aparecem na infância.
Há também um preocupação com o impacto psicossocial do excesso de peso, já que há associação entre obesidade infantil e maior risco de depressão, menor auto-estima e menor qualidade de vida.
É grande a probabilidade de uma criança obesa tornar-se um adulto obeso, sendo de 20 a 50%, antes da puberdade, e de 50 a 70%, depois da puberdade.
OU SEJA, É PRECISO TRATAR!!!
A adolescência é o período em que há maior risco para o aparecimento de transtornos alimentares e as meninas são muito mais afetadas do que os meninos.
As complicações associadas aos transtornos alimentares são reflexo das adaptações do organismo à desnutriçao ou aos maus hábitos relacionados ao controle do peso. Hipotermia, bradicardia e hipotensão são os sintomas mais comuns quando há rápida perda de peso, podendo ocorrer também pancreatite e pedras na vesícula. O uso de laxantes e a provocação de vômitos pode trazer distúrbios hidroletroliticos. A privação de energia interfere na produção hormonal e pode causar alterações menstruais e amenorreia, mesmo que o peso ainda esteja dentro da normalidade. Se a supressão do estrogênio continuar por longos períodos, há um maior risco de osteoporose.
MAS QUAL É A RELAÇÃO ENTRE OBESIDADE E BULIMIA/ANOREXIA?
É preciso tomar muito cuidado com as mensagens utilizadas no tratamento do excesso de peso. Embora nem todo adolescente com transtorno alimentar tenha sido obeso, a grande maioria começa essa jornada tentando comer de forma mais saudável. Erroneamente, esse jovem acaba fazendo restrições desnecessárias de alimentos que considera ruins e usando artifícios, como pular refeições e ficar muito tempo em jejum, que podem ser o gatilho para o transtorno, quando há predisposição.
E QUAIS SÃO AS MENSAGENS QUE DEVEMOS EVITAR NO TRATAMENTO, OU MESMO NA PREVENÇÃO DO EXCESSO DEPESO?
Em um artigo da Academia Americana de Pediatria, publicado recentemente (setembro/16) na Pediatrics, discute-se algumas ações frequentemente utilizadas para o manejo de peso em crianças e adolescentes. Vejamos:
1. DIETA É CONTRAPRODUCENTE: Vários estudos mostram o efeito das dietas restritivas incrementando o risco de reganho de peso e de desenvolvimento de transtorno alimentar. Em um grupo de 6 882 estudantes, entre 9 a 14 anos, acompanhados por dois anos, observou-se que hábito de fazer dieta esteve fortemente associado ao risco aumentado de ganho de peso e de comer compulsivamente, tanto em meninas, quanto em meninos. Outro estudo avaliou que se a criança pular refeições e restringir demasiadamente as calorias, tem 18 vezes mais chance de desenvolver transtorno alimentar.
Muitas vezes as famílias e os próprios profissionais da saúde dão muitos reforços positivos quando a criança emagrece, enaltecendo a sua “força de vontade” ao “resistir aos alimentos”. Essa é uma mensagem perigosa onde entende-se: Restrinja, emagreça, seja feliz!
Como , então, organizar a alimentação da criança? Claro que é o balanço energético é importante, mas, ao invés de pautar as orientações em calorias, peso, medidas, alimentos bons e alimentos maus, é interessante entender como é a alimentação dessa criança e organizar os horários, sugerir trocas , estimular o consumo de alimentos e receitas e novas. Se o foco for a inclusão das novidades e não a restrição, há mais chances de que o processo de reeducação alimentar seja mais leve, natural e definitivo.
2. AS CRIANÇAS NÃO FAZEM TANTAS REFEIÇÕES QUANTO DEVERIAM COM AS SUAS FAMÍLIAS: Estudos sugerem que comer em família pode conferir uma proteção contra hábitos alimentares inadequados e também contra a obesidade. Em um programa de intervenção com incentivo para aumentar o número de refeições em família, as crianças apresentaram redução de peso ao final do acompanhamento, além das associações com a redução do sedentarismo e do tempo gasto em frente às telas. Dentre as atividades propostas, as crianças relataram que cozinhar com a família, testar novas receitas e receber dicas de culinária foram as experiências mais divertidas. Em um artigo de revisão, os autores descrevem algumas intervenções de incentivo do comer em família com o objetivo de promover hábitos saudáveis e prevenir a obesidade. As abordagens são diversas e incluem orientações no lar, em grupos comunitários, no ambiente de trabalho, nos consultórios e até na internet. Por conta da falta de homogeneidade metodológica é difícil avaliar os resultados de uma maneira integrada. E, de modo geral, embora haja experiências exitosas, os autores identificaram uma série de barreiras que podem atrapalhar o seguimento das orientações e que podem servir de base para pautar ações futuras. Dentre elas: falta de tempo dos pais, muitas atividades de trabalho, excesso de atividades da criança e questões relacionadas a estrutura familiar e a dados sócio-econômicos.
Porque comer em familia? Nessa fase da vida, o núcleo familiar tem fundamental importância para a formação dos hábitos alimentares, a medida que os pais compartilham das primeiras experiências alimentares da criança e, durante toda a infância, são os provedores e os responsáveis pela organização da dinâmica alimentar da família. Em geral, os adultos fazem melhores escolhas do que os adolescentes, além disso, compartilhar esse tempo à mesa é uma oportunidade de interação que traz benefícios, muito além das escolhas alimentares.
3. FALAR SOBRE PESO É CONTRAPRODUCENTE: Evite comentários acerca do próprio peso ou sobre o peso da criança/adolescente. Mesmo que bem intencionados, esses comentários são inúteis, podem trazer tristeza e desapontamento com a autoimagem e, por fim, podem criar um juízo de valor que incrementa o risco de transtornos alimentares.
Como avaliar? Claro que o profissional pode avaliar o peso ou quaisquer outras medidas (eu mesma avalio e acho super importante ter essas informações!), mas o sucesso no tratamento da criança obesa não é medido pelo número absoluto de peso perdido (até porque a criança também cresce e se desenvolve), mas sim, pelas metas comportamentais que são atingidas. O emagrecimento é a consequência natural dessas mudanças que devem ser mantidas a longo prazo.
4. FAZER GOZAÇÃO COM O PESO É CRUEL: Nos artigos científicos vemos um termo que traduz bem esse comportamento tão comum entre as crianças e mesmo entre os familiares: “weight teasing”. Essas brincadeirinhas com o excesso de peso e os apelidos que denotam a gozação são relatados por cerca de 40% dos adolescentes obesos. Esses comentários podem magoar e estudos apontam que há mais chances desses adolescentes se utilizarem de estratégias radicais para perda de peso , e ainda, de desenvolverem compulsão alimentar.
O que fazer? Não use apelidos pejorativos acerca do peso do seu filho. Não permita que outros familiares o façam. Ensine seus filhos a tratar os colegas com respeito. Mantenham o diálogo aberto, sempre.
5. NÃO ODEIE SEU CORPO: Metade das meninas e um quarto dos meninos relatam insatisfaçao com a imagem corporal e esses números são maiores entre os adolescentes com excesso de peso. Claro que esse é um fator de risco importante para o desenvolvimento de transtornos alimentares, mas também é um fator que diminui a predisposiçao para a prática de atividade física.
Porque devemos encorajar a autoestima? Os adolescentes que estão mais satisfeitos com a imagem corporal tendem a atitudes mais positivas para o manejo de peso, buscando fazer exercício e escolhas alimentares saudáveis, no lugar de dietas restritivas e jejuns prolongados.
Pra finalizar, é importante deixar claro que tratar e prevenir a obesidade infantil não predispõe a transtornos alimentares se a condução for adequada. Ao contrário, estudos mostram que programas de intervenção bem delineados diminuem o risco de atitudes purgativas (vômitos, laxantes) e de comportamentos compensatórios.
De maneira geral, o tratamento da criança e do adolescente é pautado em mudanças sustentáveis de estilo de vida e deve, necessariamente, ser extensivo a família. Os pais devem ser bons modelos, facilitar o acesso aos alimentos saudáveis no dia a dia e limitar as extravagâncias e guloseimas para os dias especiais. Também é preciso conversar com os pais sobre a possibilidade de fazer atividades físicas programadas e limitar o tempo de tela.
Atitudes valem mais do que mil palavras!
Comments